Os contos de fadas lançados em animações, por décadas, ajudaram a criar no imaginário das meninas – agora mulheres – o sonho de ser a princesa, do casamento com um príncipe encantado que a protegeria de todo mal. Essa geração foi doutrinada – claro, não apenas pelos contos de fadas, mas por vários outros fatores e ferramentas sociais – a repudiar mulheres independentes e empoderadas, que não buscam a felicidade num casamento, num homem ou na maternidade. Foi doutrinada a querer ser uma bela moça recatada, um primor de dona de casa, a só se realizar com o matrimônio e a maternidade, a evitar ocupar espaços ‘destinados’ aos homens. A ser princesa por filiação ou casamento, ou seja, a sempre pertencer a alguém. Numa sociedade patriarcal, onde a cultura do estupro, a normalização de relacionamentos abusivos e a misoginia são leis, definitivamente não se nasce mulher, nasce-se estatística, nasce-se destinada a lutar para ter sua humanidade reconhecida, se nasce princesa, se nasce vilã. Para o patriarcado, princesas não são humanas, são mulheres. Vilãs não são humanas, porque são mulheres.
Viver neste mundo é tão irreal para quem não parece jamais ter sido aceito nele. O que se configura para os ‘inferiores’ na perturbada cadeia social é uma ilusão cega de que os abusos são normais, e que a vida não pode ser melhor do que já é. A gente se acostumou a sobreviver, e chamou isso de viver, a se esconder e chamou isso de moral, a fingir ser quem não somos e chamou isso de respeito. Nos deram um meio copo de leite azedo, e a gente acha que é a melhor garrafa de vinho que nos podia ser oferecida. Se contentar com tão pouco, mediocridade, ser tratado como inferior, mas por algum embaralhamento mental acreditar que é tratado como igual, que não sofre abusos e preconceitos, e por isso, achar que não precisa da luta pelos direitos, porque já se satisfaz com aquele meio copo de leite azedo. Amarraram nossas asas com um laço bonito, para nós não percebermos que estávamos sendo acorrentados, tiraram nossa liberdade, nossa vida por completo, e ninguém pode nos libertar, até que nos demos conta que podemos voar.
Trecho do livro 'Não Se Nasce Malévola, Torna-se: A Representação da Mulher nos Contos de Fadas", saiba mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário