Já aviso que essa postagem vai ser longa.
Hoje tive o desprazer de ler algumas infelizes matérias jornalísticas criminalizando o simples status de pobreza. Comentários que colocavam o morador de favela, pelo simples fato de habitar em local de "risco social" em patamar abaixo do que a cultura ocidental chamou de direitos humanos, abaixo do mínimo de cidadania que se espera de uma sociedade civilizada, definidos por essas matérias como "bestas" ou "sub-raça", e pior, a solução para essa classe social, segundo o analfabetismo social desses jornais é "o extermínio da sub-raça". Sim, eles estão se referindo a SERES HUMANOS!
Partindo desse ponto, entramos em uma enorme discussão. O Brasil tem um problema grave, uma mania de remediar os erros, ao invés de ir ao cerne do problema, vamos elaborar. O morador de favela, ou comunidade, chame do que preferir, o trabalhador, o estudante, enfim, o pobre mortal que ali habita geograficamente, que infelizmente, é assombrado pela violência que, segundo o senso comum, nasce no seio da favela, este ser humano é ávido por CONDIÇÕES e DIREITOS de ter acesso a educação, a cultura, a saúde, a segurança e, em suma, a cidadania. Ele se encontra separado por uma cerca simbólica, de preconceitos e desigualdade social, e quando eu falo em desigualdade, falo em todos os sentidos, incluindo as questões capitalistas, que garantem classes trabalhadoras cada vez menos favorecidas, para manter um grupo seleto sempre beneficiado (muito democrático, e diga-se de passagem, o erro começa por aí, mas não vou entrar nesse mérito agora).
Acho interessante ver professores lutando por uma educação digna no país - lutando por educação, isso soa tão absurdo que não me vem nada em mente além do magnífico texto "Educação contra barbárie" de Adorno, e aí eu ligo as pontas. O jornalista disse assim: "como ainda podem chamar esses pivetes, assaltantes e assassinos de crianças inocentes?" Eu te respondo, meu querido, eles são inocentes sim, porque são vítimas da negligência do nosso país, porque num país onde é preciso LUTAR por educação, para que a mesma criança que te assalta hoje, possa ter a oportunidade de ser cidadão e no futuro faça a diferença dentro dessa sociedade, se é preciso lutar por isso, pedir pelo amor de Deus ao Estado que não espanque os professores enquanto lutam pela educação, a culpa não é dessa criança, a culpa é nossa.
Volto ao meu discurso de que o ser humano, apesar da construção cultural/social, não perde o instinto animal básico: a luta pela sobrevivência. Aí sim, você pode chamar o cidadão de besta, quando você realmente tira todo o direito de cidadania dele, o submetendo a condições de fome, medo e necessidade, despertando nele apenas o instinto de sobrevivência animal, que está em cada um de nós. Então não seja moralista, e venha me dizer que "o bandido é bandido por opção", "a prostituta é por opção", a barbárie é natural quando o indivíduo se encontra "encurralado" como um animal, quando se sente ameaçado de morte, e não lhe é oferecida outra possibilidade de sobrevivência, quando ele é, literalmente, deixado a margem da sociedade.
A barbárie se agrava quando o indivíduo observa ao seu redor a desigualdade, muitos trabalham muito e pouco conquistam, e poucos trabalham pouco e muito conquistam. Aí entramos no jeitinho brasileiro de remediar: Remediar a pobreza, com bolsa*, remediar a falta de oportunidade que os negros tiveram, com cotas*, remediar a inquisição, onde quem não era católico era queimado na fogueira, quebrando imagens de santos e profanando objetos sacros, remediar a favela, com preconceito, remediar a intolerância com intolerância.
Ouvi uma frase fantástica, que resume bem o que estou sentindo nesse momento. Em relação a marcha das vadias, que eu pelo mesmo já não sei mais pelo que elas estão lutando, uma colega disse, justificando a quebra de imagens sacras: "mas a Igreja não fodeu a gente na época da inquisição? Então, a quebra de imagem é uma represália a isso", outra colega, prontamente respondeu: "eu sou negra, fomos escravizados na época do Império, toda vez que eu vir um branco, eu vou ter que tacar uma pedra nele, então?". Intolerância com intolerância? Educação contra a barbárie! Aí o jornalista diz: "é bandido, tem que morrer mesmo". Confesso que já não sei mais quem é a besta nessa história.
*Adicionei este asterisco para ressaltar que meu posicionamento não é contrário as bolsas (seja bolsa família, bolsa de estudos, etc) e nem contra as cotas, desde que sejam entendidas e aplicadas como medida provisória. É necessário haver um conjunto de ações para a reformulação da sociedade: educação básica de qualidade é o prioritário e essencial, só com isso poderemos gerar de fato, oportunidades, que além de garantir o acesso a faculdade e ao mercado de trabalho com mais preparo e, assim, promover a ascensão social, vai possibilitar a noção de cidadania, por consequência, a valorização da cultura, o respeito com os mais velhos e à diversidade, à saúde pública, o o desenvolvimento do pensamento crítico, a diminuição e (um dia quem sabe) o fim da criminalidade, e em suma, melhores condições de vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário