segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O apocalipse chegou e você nem percebeu

Eu estou pasmo com a situação no Amapá, parece filme pós-apocalíptico ou sobre governos totalitários no mundo. Por um lado, me lembro de uma cena do filme "Independence Day - O Ressurgimento", que as primeiras coisas que os alienígenas derrubam são energia elétrica e as formas 'avançadas' de comunicação, desabilitando satélites ao redor do planeta. Uma situação macabra e fictícia na qual, eu, pessoa estranha que faz reflexões estranhas, fiquei pensando no quão dependente nós somos de altas tecnologias. 

Uma cena marcante do filme é de pessoas se aquecendo ao redor de fogueiras, ouvindo a transmissão do presidente em rádios antigos, porque é o único meio de comunicação que funciona, via ondas curtas, a pilha.

Quando começou a pandemia no Brasil, eu particularmente, tive que lidar com o fato de que não tenho internet banking, nunca tive (e enquanto não for obrigatório, não terei) e tive que continuar saindo pra pagar as minhas contas e realizar todas as minhas transações bancárias. Comentei com uma amiga que eu não tinha internet banking e ela disse: "eu nem tenho mais dinheiro em casa, só uso cartão ou faço transações online". Eu fiquei chocado. Nunca se sabe quando algo vai acontecer, posso passar mal e precisar pedir um táxi ou Uber (também não tenho cartão de crédito), imagina só não ter dinheiro em casa.

Quando eu morava sozinho, sempre tinha um galão ou garrafas com água fechadas na casa, porque nunca se sabe quando vai acabar a água. Sempre estoquei comida, claro, isso é forma de dizer, não era um estoque enorme que deixava outras pessoas sem itens no mercado, mas sempre deixava um pouco mais de alimentos em casa do que eu precisava naquela semana, alimentos coringas, que não dependiam de geladeira ou fogão, como cenoura, biscoito, carne de soja ou até farofa pronta, porque nunca se sabe quando vai faltar luz ou quando eu vou ficar doente e não poderei ir ao mercado por alguns dias.

Eu vivo a vida como se eu estivesse num apocalipse, eu sei, não precisa me dizer, eu sei que eu não sou parâmetro de comparação, mas vendo essa situação no Amapá, que primeiro acaba luz, e alimentos em geladeira estragam, e não tem TV e internet, os geradores e baterias descarregam, então os mercados perdem estoques inteiros, hospitais não conseguem manter equipamentos vitais ligados e não tem caixas de bancos funcionando. As baterias dos celulares descarregam. E aí se você não tem um rádio a pilha, você não tem meios de comunicação. Você não tem dinheiro em casa, porque só usa internet banking, mas não tem internet pra usar. Não tem nem banco pra sacar dinheiro e nem celular pra fazer suas transações bancárias, os mercados não aceitam cartão, porque as maquininhas todas descarregaram: Não tem nem como comprar comida.

Não tem água, porque os sistemas de tratamento de água também estão sem energia. E você não tem dinheiro em mãos pra comprar galão de água ou uma garrafinha de água. Quem tem esse dinheiro, começa a estocar água aos montes, por isso, água começa a se tornar um item caro e raro nos mercados. Aumenta a procura por água, gelo e gasolina. Água em falta. Alimentos em falta. O apocalipse chegou e você nem percebeu.


Você viu isso se repetir em toda boa saga fictícia estilo "Mad Max". É apocalipse.

E não foi de zumbis ou alienígenas. O apocalipse no mundo atual, é econômico. Porque por motivos econômicos e disputas de poder, temos os graves e irreparáveis ataques ao meio ambiente, gerando mudanças climáticas, que vão trazer situações mais aterrorizantes do que quaisquer filmes que você já viu. Enchentes, deslizamento de terra, incêndios, tudo isso, parte do cenário apocalíptico que vivemos, sem nem nos darmos conta. Mariana e Brumadinho? Apocalipse econômico, porque não foi uma coisa que aconteceu do nada, foi fruto de interesses econômicos colocados a frente do meio ambiente e da vida das pessoas. Isso tudo, por dinheiro, por poder, para sustentar o consumismo, o capitalismo e um mundo onde criamos máquinas que valem mais do que a vida de pessoas

E o que isso tudo tem a ver com Amapá?

Eu te respondo essa pergunta, com outra pergunta. E se fosse São Paulo? Será que teria ficado mais de algumas horas sem luz, sem internet, sem meios de comunicação?

Privar alguém dos meios de comunicação é censura. É impedir as informações de chegarem e saírem dali. Vimos ao longo da história governos ditatoriais cortando ou tentando limitar o acesso à meios de comunicação, para impedir que o resto do mundo tivesse acesso ao que acontecia ali, e para impedir que as informações e o conhecimento chegasse ali: Censurando a TV, a rádio em tempos mais antigos, a Internet em revoluções mais recentes. Censurando livros e escolas, em tempos de dominação cristã. Qualquer forma de obter ou transmitir informações e conhecimento, são ameaças para sistemas opressores. 

Fake News é a nova forma de censura, é estratégia, já que não é descarada, mas o objetivo é o mesmo: impedir as informações de circularem, como? Circulando informações falsas, o que impede, de qualquer maneira, o acesso ao conhecimento e à informação.

Voltando ao Amapá. Não estou dizendo que o incêndio que causou o apagão foi criminoso ou intencional, mas a negligência que se seguiu ao fato, foi. Alguns dias antes das eleições, um Estado da federação passar por uma semana apocalíptica e censura, com o governo federal criando empecilhos burocráticos para que a situação fosse resolvida de forma rápida. Eu repito, se fosse São Paulo?

Existem interesses políticos e econômicos nesse jogo de poder, estados, cidades e pessoas que são mais "úteis" politicamente e economicamente para os que estão no poder. Há vidas que valem mais que outras. O papo furado do "direitos humanos para humanos direitos", que o dito "cidadão de bem" adora usar para justificar sua oposição à luta pelos direitos humanos, é o discurso mais raso que legitima o plano neoliberal de te convencer que é normal que haja pessoas que valem mais do que outras e por isso, seus direitos precisam ser garantidos com preferência.

Numa das sagas do filme 'Mad Max", especificamente o "Estrada da Fúria", quem detém a água é quem detém o poder. Apesar de aqui no Brasil quem detém a 'caneta bic' é quem detém o poder, não estamos tão longe disso. Estamos falando de um apocalipse que não é causado por uma coisa completamente aleatória sem nenhuma conexão com o contexto político, econômico e social, como pessoas mortas retornando a vida como zumbis ou alienígenas vindos do espaço, estamos falando do resultado direto das nossas ações, não só no planeta como um todo, mas na forma como construímos a nossa forma de viver em sociedade. 

Nós, aparentemente, achamos que é normal que um seleto grupo de pessoas vivam com extremo luxo e outras pessoas morem em caixas de papelão. Banalizamos o fato de que queimadas na maior floresta do planeta não incomodam por estarem sendo destruídas junto com sua biodiversidade, mas quando a fumaça atrapalha a vista do céu moradores de São Paulo. Super normal que a polícia atire gás lacrimogênio e bala de borracha em pessoas por protestarem pacificamente pelos seus direitos, desde que proteja a vidraça dos bancos, que é sua principal missão. Pelo visto, é aceitável que uma jovem vítima de estupro seja ridicularizada pelo judiciário, mas é um absurdo que um parlamentar seja chamado de machista por incitar estupro a uma colega de bancada.

É bizarro que a gente esteja vivendo no meio de um apocalipse macabro por escolha. Em relação as eleições nos EUA em 2020, após a derrota de Trump, ouvimos muitas pessoas dizerem: "agora os Estados Unidos vão voltar ao normal". Wanda Sykes fez um especial para Netflix chamado "Não é Normal", uma crítica explícita a gestão de Donald Trump. A eleição dele foi uma escolha. O Brasil também fez uma escolha aqui, uma escolha que num futuro breve será prova de crime contra a humanidade, mas foi uma escolha.

Nós deliberadamente escolhemos de que forma vamos destruir o mundo, e eu queria que estivesse me referindo apenas ao nosso país, mas infelizmente, a destruição proposta é muito maior. Não é normal que você não perceba que fome não é normal, que existir pessoas morando na rua, não é normal, que criar animais para serem mortos e virarem casaco ou comida, não é normal, que não é normal um juiz sugerir um estupro sem intenção de estuprar. Não é normal a gente ainda ter que ficar falando que a culpa nunca é da vítima. Não é normal um presidente falar em privatizar o SUS. Não é normal que toda a corja do governo fique fazendo pirraça nas redes sociais.

E o pior é que não é normal que estejamos vivendo um apocalipse e muitos de nós, sequer perceberam.  

A gente ainda fica se deleitando com filmes e séries "futuristas" ou distopias, como se fosse algo longe de nós, futuros distantes no qual faltará água, energia, os meios de comunicação ou que será implantada uma forma de sociedade bizarra e opressora pra alguns grupos sociais. A gente já está vivendo um apocalipse, há muito tempo. Se você não escolher a pílula certa da "Matrix", você vai permanecer preso no mundo doido e cético de normalizar o absurdo, de normalizar o próprio apocalipse e nesse filme, eu realmente, já sei que eu prefiro morrer no final.

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