segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A Síndrome da Ovelha na Era de Influencers Digitais

Imagino que uma das coisas mais difíceis para criadores de conteúdo é, quase forçadamente, ter que passar mensagens de positividade e esperança para as pessoas. Especialmente, levando em conta que um criador de conteúdo é um ser humano, passível de cometer erros. E vai. Mas a questão é: como seus erros impactam seus seguidores? 

O chamado influencer da Era Digital tem responsabilidades muito grandes e não sei quantos deles tem maturidade pra entender o que significa ter essa responsabilidade. Não numa lógica da síndrome da ovelha, que falaremos mais pra frente, mas pensando que milhares – isso quando não milhões de pessoas – seguem aquela pessoa. E ‘seguir’ foi uma escolha bem estratégica para o processo de acompanhar a vida de alguém tão de perto. Seguir um modelo, seguir um exemplo, seguir algo ou alguém que você admira, seguir uma tendência, uma dica de moda, seguir uma ideologia, uma linha de pensamento político... A gente segue aquilo que nos inspira, que nos identificamos

imagem de teclado e no lugar de letras há logos de redes sociais

Diga-me quem segues, que eu te direi quem você é 


Quando um influencer comete uma gafe, fala uma coisa ofensiva ou compartilha uma piada de mau gosto, especialmente quando envolve alguma forma de preconceito ou discriminação a algum grupo social, que é onde geralmente a forca aperta, existe apenas duas opções possíveis de interpretação: ou foi apenas a reprodução de preconceitos inconscientes que todos nós temos e, presos em nossas próprias bolhas, não nos damos conta. Ou foi por convicção, um preconceito que tem por escolha e não tem vergonha de admitir e nem a menor intenção de desconstruí-lo. 

O influencer pode de fato aprender com esses erros, que vão ser apontados pelos seus próprios seguidores, cada vez mais antenados e empoderados – e temos exemplos de influencers que aprenderam com seus erros e hoje são ativistas de causas que nunca imaginaram ser – ou vão ser mais um da legião do vai que cola – que inclusive é muito usada na política brasileira, desde 2015 – faz a merda convicta, na esperança que passe batido, mas ao se dar conta da repercussão negativa, pede desculpas, para não perder patrocinadores e nem seguidores. 

Machistas dizem que feministas destroem carreiras – disse o estuprador em entrevista ou o assediador nas redes sociais – mas o que os influencers fazem quando passam pano ou cometem eles mesmo uma situação machista? O que isso diz sobre os seus seguidores? 

Pensa na desculpa de uma pessoa que elege, conscientemente, alguém que faz apologia a estupro, racismo, homo/transfobia e intolerância religiosa. A pessoa diz: ‘eu não compactuo com as ideologias desse candidato’. Então me conta por que esse candidato te representa, o que exatamente você se identifica com ele? Senão suas intenções e ideologias políticas e sociais, é o que que você admira? O histórico de atleta dele? Não faz sentido. 

O mesmo vale para qualquer influencer, seja artista, youtuber, blogueiro, atleta, o que for. Se você segue alguém que é machista/racista/homotransfóbico, você pode ainda estar no armário de se assumir preconceituoso, você pode negar e fingir o quanto quiser, mas se esconde por trás de seus ídolos que assumem, publicamente, as coisas que você compactua. 

Influencer é um título de responsabilidade, de compromisso de inspirar pessoas. Um influencer que tem conteúdo excluído das redes sociais por violar as regras das redes, não tem condições de inspirar e nem guiar ninguém pra nada – sim, isso foi uma crítica ao presidente que governa via Twitter. 

A Síndrome da Ovelha e o Mito da Caverna 


O criador/produtor de conteúdo, seja ele em texto, vídeo, foto ou áudio que se torna influencer ou seja, que ganha essa responsabilidade sobre a vida de outras pessoas, precisa de duas coisas básicas: responsabilidade e bom senso. 

Primeiro, estar muito bem informado sobre os temas que vai tratar, senão é só mais um irresponsável disseminando fake news por aí. Especialmente no período que vivemos, em que as pessoas praticamente usam as redes sociais como fonte de notícias e de informações sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo. É preciso ter informações de fonte seguras e senso crítico para construir sua forma de compartilhar esse conteúdo para o público. 

O que diferencia o criador de conteúdo do site de notícias, é que o jornal (pelo menos os das mídias mainstream) tenta – apesar de com pouco sucesso – ser neutro, enquanto o criador de conteúdo precisa se posicionar sobre aquilo que ele decide trazer de conteúdo, ele precisa opinar sobre aquilo para, novamente, ajudar seus seguidores a refletir sobre aquilo, a construírem sua própria opinião sobre o tema, após ouvir as reflexões de alguém que respeitam. 

O que eu chamo de Síndrome da Ovelha é essa experiência medieval que igrejas cristãs têm trazido para o século XXI. Da obediência cega ao líder religioso, que supostamente representa a vontade do deus cristão na Terra. Essa analogia usada em várias igrejas de matriz cristã, de pastor e rebanho, se refere a relação de um animal que literalmente depende de seu pastor para tudo, não consegue dar um passo sozinho, sem ser guiado. 

Eu não preciso nem exemplificar coisas bizarras – e criminosas inclusive – que aconteceram em massa, por causa da Síndrome da Ovelha, inclusive, essas ovelhas vão servir de massa de manobra nos interesses políticos dos pastores e como propagadores de fake news e notícias tendenciosas. Podemos notar como essa relação é facilmente transportada da igreja para vida política, de ovelhas – que atualmente chamamos de gado – que acreditam cegamente no maior besteirol americano repaginado de plano de gestão. Em 2020, ter que explicar que a Terra é redonda, que indígenas não põe fogo na floresta e que vacina é bom pra saúde, é a maior prova de que a Síndrome da Ovelha não devia ter saído da igreja (nem os pastores). 

Mas seguidores de influencers não necessariamente são ovelhas que estão em busca de um pastor. São multidões de indivíduos que procuram inspiração em pessoas que admiram, majoritariamente, porque compartilham dos mesmos gostos, interesses e opiniões. No entanto, a gente constrói nossas próprias bolhas, seguindo pessoas que geralmente enxergam o mundo de forma muito próxima a como nós enxergamos. 

Eu não gosto da palavra ‘influenciar’, apesar de ela ser a origem da profissão do momento, ela pressupõe que as pessoas são facilmente influenciáveis e sugestionáveis, ela pressupõe essa lógica da ovelha. Algumas pessoas são ovelhas, sem dúvidas, mas não a maioria. O que ocorre na Era dos influencers é que vivemos a versão moderna do mito da caverna. 

Se a única fonte de informação que uma pessoa tem é dos influencers que segue e esses influencers começam a compartilhas fake news ou informações tendenciosas sobre temas importantes, o seguidor vai construir sua própria opinião baseado em informações falsas ou não completas. Lembra do Mito da Caverna? Se você não conhece a fonte de luz, você acredita que as sombras são a verdade. 

É muito fácil distorcer verdades no nosso mundo, especialmente, diante de tantas informações sendo bombardeadas o tempo todo. É difícil saber como filtrar o que é verdade e o que é mentira ou sensacionalismo. O jornalismo e a história estão chegando ao patamar de astrologia e religião, não é mais algo que temos como um fato, é algo que precisamos decidir se acreditamos ou não. 

Em segundo lugar, um influencer precisa ter muita sensibilidade e cuidado ao tratar de determinados temas. Pensando especificamente em blogueiros ou vlogueiros que fazem um conteúdo mais pessoal, o quão perigoso é falar com outro, sem conhecer esse outro, sem conhecer suas limitações, seus traumas, seus gatilhos... É preciso ter bom senso de saber que não sabemos tudo e que, eventualmente, vamos cometer erros, dizer e fazer coisas que podem ofender um grupo social, sem querer, devido as próprias limitações da nossa bolha. O que fazer com esses erros é o grande ponto. 

"Você muda o mundo quando muda sua mente" (Cyndi Lauper, 2012)


Artista que fez piada transfóbica, ao ser apontada do erro percebeu que estava reproduzindo um discurso que desrespeitava um grupo, que ela nunca se deu conta, que sofre e morre por causa dessas piadas. Ela aprendeu e junto com ela seus seguidores também tiveram a oportunidade de aprender. Não é só um pedido de desculpas, é usar o erro como plataforma educativa, para mudar não só sua própria forma de pensar, mas ajudar a mudar a forma que seus seguidores pensam. 

Youtuber que antes fazia piada machista e homofóbica, se torna um grande ativista dessas e de outras causas, militando e fazendo iniciativas para o combate a violência e a discriminação contra esses grupos. Ele perde seguidores, sim, mas educa tantos outros que o seguiam exatamente porque concordavam com seus pensamentos. Ele fura a bolha, permite que seus seguidores tenham outro ponto de vista sobre convicções que tinham e tenham a oportunidade de descontruir preconceitos. 

O influencer tem responsabilidades que pode nem se dar conta que tem, suas opiniões são ouvidas por seus seguidores, que tendem a concordar com essas opiniões, porque é o que fazemos, nós seguimos pessoas que temos alguma identificação, nós construímos a bolha. Por isso, brigamos tanto por representatividade, para que tenhamos influencers negros, mulheres, LGBT+, pessoas com deficiência, indígenas, e tantas outras perspectivas sobre este mundo, para que possamos desenvolver um pensamento crítico que entenda que, como disse Yuuko Ichihara (xxxHolic, 2003), “o mundo pode ser muito pequeno, se você o limita ao que você conhece”.

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