segunda-feira, 20 de abril de 2020

O trágico fim de Paspalho Loser


O caminho é vazio, não há versos, não há sepulturas. O caminho é longo, não há cruzes, não há flores. Ele caminha solitário entre as árvores secas, as corujas formam uma orquestra, e os corvos são seu guia. É um sorriso o que ele mostra? O que carrega em suas costas? Não há vagalumes e ele não confia nas estrelas. Ele não consegue mais caminhar, porque o que carrega é maior do que ele, é mais forte, e ele sabe que precisa continuar, ele precisa atravessar a noite, ele precisa encontrar abrigo. Então ele se arrasta, ele não se desfaz do terço, não se desfaz do rum, e pelo chão frio e fedorento ele se arrasta. Ele não sabe aonde deve chegar, ele nem sabe se quer chegar, mas ele quer caminhar, ele sabe que precisa caminhar, se arrastar, ele precisa se movimentar. Ele não quer envelhecer, ele não quer amar, ele só quer viver o pouco da vida que lhe resta, e ele não quer abrir mão do terço, nem do rum, e não quer deixar o peso que carrega. Ele quer caminhar sem deixar nada pra trás, nada do que trouxe até aqui. Ele não quer olhar para Lua, é um direito que ele tem. Ele não queria colocar os pés nos chão frio, mas lhe cortaram as asas, brutalmente lhe arrancaram o direito de voar. Ele não ousa olhar para o céu, mas pergunta “Por que, meu Deus?”. E continua se arrastando, e a dor está estampada em seu rosto cansado, mas ele não desiste, ele não se permite abater, não se permite olhar para trás. O vento é seco e traz a lembrança de um horizonte inalcançável, de um futuro inexistente, de um dolorido amor inesquecível, de um caminho infinito. Ele está cansado, ele não tem motivos para continuar, então ele se agarra a tudo o que trouxe, o peso, o rum e o terço, ele os abraça fortemente, e chora sozinho, ao som da orquestra de corujas, os corvos o olham compassivos. A natureza, então, lamenta a sua perda, mas o deixa ali sozinho, perdido, cansado, com frio.


Pela manhã, hienas correm pelos bosques satisfeitas, degustaram um cadáver congelado, e aonde se recorda o corpo encolhido pelo frio, somente o terço pode ser identificado. O mais triste, e mais confuso, é que já não estão mais lá as corujas nem os corvos, as árvores que há pouco eram medonhas, acordam arbustos aflorados, e logo à frente, próximo ao terço, um riacho corta a selva, e do outro lado uma casinha por entre as árvores. De frio padeceu, tolo patife, sentiu as lâminas do frio lhe cortarem à noite toda. O rum não o salvou, o peso também não, o terço apenas restou, nada fez para livrá-lo de seu fim. E lá estava o que ele tanto buscou, lá estava o abrigo que ele há muito procurou. Eis que o cansaço o cegou, o medo segurou as suas pernas. E o abrigo não lhe aguardava vazio, lá dentro, tomando, calmamente, seu Martini, uma jovem de beleza divina se aquecia junto à lareira, enquanto derramava algumas lágrimas mudas de solidão. Assim ocorreu com Paspalho Loser, o espírito da floresta, deturpado pelo amor idôneo por uma mulher, que lhe arrancou as asas e lhe roubou os sonhos. Descanse em paz, Paspalho, agora, você pode voar para a cidade dos sonhos. Tenha bons sonhos.

30/12/2010

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