sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Carta de um farsante

Sou gaga, disfarço todos os dias, falando pausadamente e evitando conversas prolongadas e discussões, mesmo adorando conversar. 

Sou humana, tento disfarçar não ferindo outros animais, nem fazendo maldades e nem julgando as pessoas, mesmo as que me fazem mal.

Sou poeta, tento disfarçar trabalhando em um emprego considerado digno, mesmo escrevendo em qualquer papel em branco.

Sou mulher, meus pais me incentivaram ao estudo para que eu obtivesse respeito e conquistasse minha independência e, talvez, com a inteligência, conseguisse disfarçar que sou mulher.

Sou gorda, tento disfarçar usando roupas largas que não marcam minhas gorduras e entrando em dietas radicais constantemente, mesmo que isso me provoque bulimia.

Sou negra, meus pais me incentivaram aos estudos para que eu obtivesse respeito e conquistasse minha independência e, talvez, com a inteligência, conseguisse disfarçar que sou negra. 

Sou assexual, ninguém sabe, porque disfarço bem, falando sempre de assuntos de sexo, mesmo que me incomodem.

Sou homoafetiva, ninguém sabe, porque disfarço bem, fingindo que me interesso pelo sexo oposto, mesmo que não me interesse.

Sou transgênero, tento disfarçar usando saias, vestidos e mantendo os cabelos alisados e longos, mesmo que me sinta terrível.

Sou vítima de abuso sexual, ninguém sabe, porque disfarço, fingindo que acho graça em piadas de estupro, mesmo que quando chegue em casa, chore sozinha no banheiro.

Sou estatística, isso não posso disfarçar. 
Sou mais um caso de suicídio, porque disfarcei tanto o que sou, que, simplesmente, não valia mais a pena "ser".

Nenhum comentário:

Postar um comentário