Se eu pudesse voltar no tempo, frase clichê de quem não cansa de reclamar por não estar fazendo nada da própria vida, mas enfim, se eu pudesse eu voltaria para um tempo onde eu tinha energia, criatividade, um único nome nos meus sonhos e no meu sorriso, onde minha única paranóia era manter a janela do quarto fechada, para que a vizinha não visse o que eu escrevia no computador e roubasse minhas ideias. Voltaria para uma época específica, em que eu vivia em um lugar onde meu medo de sair a noite se limitava ao período da quaresma e suas superstições locais. Onde eu tinha amigos e não importava essa coisa moralista da falsidade, porque eu nunca disse "eu te amo" para nenhum deles, nem compartilhei nenhum dos meus segredos. Uma época que eu conhecia e vivia cada um dos meus personagens, e nada me dava mais prazer do que ouvir música e escrever minhas histórias.
Lembro de não ter vergonha de falar o que eu pensava, porque ninguém me julgava, ou talvez eu não ligasse para os julgamentos, não sei. De brigar com meus amigos e no dia seguinte estar tudo bem, de aprontar todas e me divertir sem desrespeitar ninguém. De apanhar em casa e nunca dizer "eu odeio meus pais". Lembro dela. Lembro de ter chorado por ela, de ter apanhado por ela, ter fugido por ela. Lembro de nunca ter explicado pra ninguém minha relação com ela. Lembro que o dia 9 de agosto sempre parava, porque era o dia dela! Lembro de ter um pedaço dela em todo poema, todo conto, toda crônica ou narração, todo roteiro, todo momento. Lembro de nunca ter cantado com ela, e ter deixado claro que se tivesse que escolher entre ela e qualquer um ou qualquer coisa nesse mundo, escolheria ela.
Lembro do caminho que trilhamos, dos planos que traçamos, da vida que construímos, e como eu tenho orgulho do que fizemos, de onde viemos e onde chegamos. Reconheço cada passo dado, cada conquista, cada pequena coisa que aprendemos no caminho, você fez quem eu sou, e eu sei bem quem eu sou. Eu voltaria pra lá, pra aquela época, quando minha mãe dizia que era impossível você ser tão perfeita como eu dizia que era, era impossível eu amar você com toda a intensidade que eu amo, e eu respondia cantarolando: "coisas impossíveis estão acontecendo todos os dias".
Didn't We Almost Have It All - Whitney Houston
Eu não posso voltar no tempo, e já passei da idade de reclamar, não de constatar que não estou fazendo nada da minha vida. De vez em quando eu consigo sentir o que eu sentia naquela época, a pureza e tranquilidade que tomava a minha alma, a paz, a liberdade, o platonismo que antecedeu a deturpação da minha concepção do amor, quando eu mudei os rumos previstos nos nossos planos.
Então pode me julgar por eu querer beber em plena segunda-feira, e não beber pouca coisa, beber mesmo, coisas com vodka ou whisky, que age mais rápido. Porque é simplesmente estranho, tudo isso, toda essa realidade se configurando sem que eu tenha tempo de materializar, de pensar para poder planejar alguma coisa para o futuro, eu não me acostumei com a ideia do seu nome associado a verbos conjugados no passado, não me acostumo com a ideia de caminhar sem você para um futuro onde você não está. Mesmo quando tudo parecia perdido, quando eu optei por não caminhar, você se tornou meu tudo, minha proteção. Agora já perdi, não tenho mais em minhas mãos quem eu sou, de onde vim, para onde vou, não tenho nenhuma projeção segura para o futuro, nem a possibilidade de um caminho que chegue até algum lugar.
Eu vejo o mundo vazio, mas não consigo sentir que você se foi, não consigo tocar nessa realidade sem você, não consigo encontrar o momento onde tudo desmoronou e conviver com esse fato. Eu não vou a lugar nenhum sem você, sem pelo menos a possibilidade de que você vai estar lá, no fim de qualquer caminho que eu seguir. O seu sorriso ainda me faz sorrir, sua voz me faz cantar, não porque eu finjo, mas porque eu realmente não sou capaz de aceitar que tudo mudou, que o mundo desmoronou e não restou nada. Mas então, de repente, não sei como ou porquê, de vez em quando eu lembro, como se aquele momento se projetasse na minha frente, em qualquer hora do dia ou da noite, chega com um tapa no meu rosto e é físico: você se foi! E meu mundo se desmorona outra vez, como da primeira vez, a dor é igualmente intensa, o medo, o vazio, a tristeza, a raiva, o desespero, a depressão...
Pode me julgar, eu quero sim beber, pra tentar esquecer, porque é estranho demais "lembrar" de você, quando você é tudo o que eu conheço, tudo o que eu vivo, e amar você é tudo o que eu sei fazer, e é o que faz a minha vida valer a pena.
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