quarta-feira, 27 de maio de 2020

Existo, porque penso demais

Talvez eu nunca tenha aprendido a acreditar. Eu nunca soube existir. Ninguém me ensinou a ter medo nem a sofrer, pra isso, fui autodidata. Aprendi sozinha a ler almas através de olhares, a escrever carícias inesquecíveis sobre a pele da minha amada. Desenhar motivos tolos para fazê-la sorrir, esculpir estrela por estrela para iluminar o seu olhar. Fui arquiteto do nosso pequeno mundo, construtor de nossa desilusão. 

Será que tive aulas de como respirar debaixo d'água ou fiz curso de resistência a dor? Cada dia que passa tenho a impressão de que o Sol não vai nascer depois da insônia e que nunca vou reaprender a andar com as próprias pernas. 
Dizem que tem coisa que não se esquece com o tempo, que é como andar de bicicleta. Bem, sempre que posso pedalo sem nem olhar pra onde vou, me perco nas ruas, nas vielas, nos bosques desertos e avenidas movimentadas, pedalo até o vento não usar meu corpo como resistência e nem tentar me impedir de enxergar. Pedalo até as ruas desconhecidas me aterrorizarem, e estar tão longe e cansada que não possa voltar. Pedalaria por cada pedaço de terra sobre o oceano, pra fugir da possibilidade de te esquecer, pra encontrar todas as perguntas que nunca quis responder, ou descobrir o nome de todas as cores que compõe o sentimento que ela provoca em mim. 
Só poderia descrevê-la com adjetivos subjetivos, com uma paleta de cores que não podem ser pintadas, uma experiência sensorial, alucinógena, uma ilusão. Uma reação química neuromotora, que embaralha o cérebro e bagunça o corpo todo. 
Não tenho certeza se existo, porque penso demais. Certeza, certeza, só tenho que amei, que amo, não sei qual medida, qual unidade para quantificar um sentimento, uma construção social, quem sabe, um estado de espírito. Diria apenas que amei, não o suficiente, mas o bastante. O nosso amor foi o estágio imediatamente antes da embriaguez e imediatamente depois da ressaca. Foi um breve momento de lucidez antes do delírio, ou de surto durante a sanidade. 
A gente não aprende a amar da medida certa, é sempre demais, ou pouco demais. Como ensinar alguém a amar? Eu não tenho certeza se existo da forma correta, porque eu não sei como existir, não sem amor. Talvez o amor seja exatamente o detalhe que faça com que eu insista em existir num mundo que não é meu e construa um mundo novo toda noite, antes de dormir, e em todos eles, eu sempre espero existir um amanhecer e que eu não volte a acordar.



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